Triste é ter a consciência
De que se aproxima a hora de parar…
Pois as mãos se enrugam,
O corpo envelhece a cada instante
Numa constância metabólica descontínua.
Surgem as artroses,
A indigna cefaleia…
E as artérias entupidas.
É necessário um simples estalar de dedos…
Para o infarto fulminante ou um derrame.
As pessoas se afastam por medo
Ou pelo excesso de afeto…
Pois poucos são aqueles que estão preparados…
Para constante dialética da morte e vida Severina.
E assim, as camas, as cadeiras, os imóveis,
As propriedades materiais vão cedendo espaço ao novo
Ao custo doloroso daqueles que se foram.
A maioria se prende ao conceito natural da herança.
Mas todo bem necessita de afago e afeto…
Toda criatura tem que passar pela infância
E construir, na velhice, a perpetuação da lembrança.
Afinal, o homem não deixará pedra sobre pedra…
No intuito de consumir-se por inteiro;
Pois do pó viemos…
Ao pó voltaremos.
É diante desse mundo de cão…
Que me oponho todos os dias.
E pergunto-me se seria justo ter filhos,
Constituir uma família,
No intuito puro de perpetuar a lembrança
E deixa-la como herança àqueles que virão…
Na esperança incandescente de uma nova melodia.
Pois dividiria as funções do lar com a mulher amada.
Aprenderia a fazer quitutes para as situações mais sucintas.
Sem dúvida alguma, queimaria muito arroz e feijão.
Confundiria alecrim com manjericão.
Quebraria algumas louças na pia.
Cortaria o dedo ao fatiar a carne.
Morreria de ódio ao ver o solado do primeiro bolo.
E diante das dificuldades da vida,
Iríamos simplesmente aprendendo…
No complicado processo da tentativa e acerto.
Nos momentos difíceis,
Discutiríamos os assuntos homéricos de qualquer relação.
Trocaríamos insultos e elogios…
Riríamos como tolos, mais tarde,
Diante de tanta insegurança e falta de praticidade.
Isso aconteceria, porque nascemos filhos…
Somente filhos.
Chegaria o dia da gravidez,
E a futura mãe se sentiria feliz e injustiçada;
Pois deve ser dificílimo o período de gestação.
Afinal, a barriga cresce…
Os seios aumentam…
Todo o corpo de mulher se torna corpo de mãe.
Os hormônios estariam em taxas elevadíssimas.
E coitado seria de mim diante dos desejos e reclamações.
Teria que trabalhar dobrado
Para atender todos os caprichos maternos.
Perderia muitas noites de sono com a asma
Ou com os complicados processos de contração.
Minha vida estaria fadada a ser pai e marido.
Após o sacramento nupcial,
Viriam os nascimentos de mais três seres:
A mãe, o pai e o filho.
Pois, nesse mundo, só se nasce filho,
Somente filho.
E estenderíamos nosso maior tesouro para o mundo.
Ele ou ela, saberíamos somente na hora,
Não teria raça, religião, time de futebol ou partido político.
Seria a criança inocente aguardando o carinho e o amor dos pais.
Os pais seriam os adultos aguardando o chamado do filho.
E assim, a criança mudaria o mundo…
Enquanto o mundo mudaria a criança.
E a criança aprenderia a andar e falar.
Seus olhos sempre brilhariam de admiração pelo novo.
Sua arte seria correr pelos quatro cantos do mundo…
E desastre seria cria-lo de forma desigual.
Com o passar do tempo,
Ficaríamos velhos e acabados.
Nosso maior orgulho seria olhar a criança,
Que virou adulto,
Alterando o tempo e o espaço.
Partiríamos felizes,
Pela esperança depositada no mundo
E pelo cumprimento do nosso pacto de confiança e fidelidade.
Mas calma…
Daremos um passo de cada vez;
Pois não temos bola de cristal ou podemos ver o futuro.
Temos que ter fé, esperando, sempre, o melhor.
Digas-me:
Tens compromisso para sábado?
E se eu errar em alguma coisa,
Perdoe-me;
Afinal não nasci amante,
Mas tão somente filho.